Princípio da Irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias e sua relativização na fase de execução com possível superação de entendimento.

Princípio da Irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias e sua relativização na fase de execução com possível superação de entendimento.

 

            Para definir decisão interlocutória, mister se faz transcrever o art. 203, §§1º e 2º do CPC, in verbis:

“Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1o Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. § 2o Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1o.”

Assim, decisão interlocutória resolve questão incidente, sendo que no processo trabalhista a base legal deste princípio são os arts. 799, §2º e o §1º do art. 893 da CLT, como seguem:

 

CLT, art. 799 - Nas causas da jurisdição da Justiça do Trabalho, somente podem ser opostas, com suspensão do feito, as exceções de suspeição ou incompetência. (...). § 2º - Das decisões sobre exceções de suspeição e incompetência, salvo, quanto a estas, se terminativas do feito, não caberá recurso, podendo, no entanto, as partes alegá-las novamente no recurso que couber da decisão final.

 

 

CLT, art. 893 - Das decisões são admissíveis os seguintes recursos: (...) § 1º - Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.

 Desta forma, no processo do trabalho, em regra, não cabe recurso imediato contra as decisões interlocutórias, sendo este princípio uma vereda do princípio da oralidade, salvo nas hipóteses taxativamente enumeradas na Súmula 214 do TST.

 

Súmula nº 214 do TST. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT.

 Para exemplificar, na situação descrita na letra “a” da Súmula, seria cabível o Recurso de Revista, vez que se trata decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho, na forma do art. 896 da CLT. Assim, se um trabalhador ajuiza uma ação após três anos da mudança de regime da CLT para estatutário e o juiz reconhece a prescrição bienal, em caso de afastamento da prescrição pelo TRT em sede de recurso ordinário, caberia de imediato recurso de revista, haja vista que a decisão do regional viola a Súmula 382 do TST, impedindo assim que os autos voltem à origem (Vara do Trabalho) para apreciar os pedidos. Segue a jurisprudência citada:

 

Súmula nº 382 do TST. MUDANÇA DE REGIME CELETISTA PARA ESTATUTÁRIO. EXTINÇÃO DO CONTRATO. PRESCRIÇÃO BIENAL. A transferência do regime jurídico de celetista para estatutário implica extinção do contrato de trabalho, fluindo o prazo da prescrição bienal a partir da mudança de regime.

 

A hipótese prevista na letra “b” seria, por exemplo, o caso de veiculação de agravo regimental, quando o relator de um recurso, monocraticamente, não o conhece sob a pecha de ausência de pressuposto de admissibilidade.

 Na última hipótese caberia recurso ordinário, com fundamento no art. 895, I da CLT para o Tribunal Regional do Trabalho superior ao órgão jurisdicional que acolheu a exceção de incompetência determinando a remessa dos autos para Vara do Trabalho vinculada a outro Regional.

 Cabe destacar que, para evitar a preclusão ou convalidação, é trivial no processo do trabalho (costume judicial), quando as decisões interlocutórias são proferidas em audiência, requerer que seja registrado em ata de audiência o “protesto antipreclusivo”, o que é feito com espeque no art. 795 da CLT, que assim dispõe: “As nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argüi-las à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos.”

 Assim, se a parte requerer a oitiva de testemunha e o magistrado indeferir, como estamos diante de uma decisão interoluctória, que não se enquadra em nenhuma das exceções previstas na Súmula 214 do TST e também não enseja a interposição de agravo de instrumento[1], caberá o protesto em ata para, se for o caso, em decorrência de prejuízo quando do prolatar da sentença, requerer sua apreciação quando da interposição do recurso ordinário.

             Observe que a Lei 13.467/17 inseriu o art. 855-A na CLT, prevendo o incidente de desconsideração da personalidade jurídica e, nos incisos II e III, admite mais duas exceções ao princípio em tela.

Art. 855-A.  Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil.                

§ 1o  Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:                 

I - na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1o do art. 893 desta Consolidação

II - na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;  

III - cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal.    

Outrossim, é imperativo trazer a baila o art. 897, alínea “a” da CLT, o qual dispõe de maneira clara e nada dúbia quanto as causas de cabimento do recurso de Agravo de Petição. Vejamos:

Art. 897 - Cabe agravo, no prazo de 8 (oito) dias: (Redação dada pela Lei nº 8.432, de 1992)

a) de petição, das decisões do Juiz ou Presidente, nas execuções; (Redação dada pela Lei nº 8.432, de 1992)

Tendo por base os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, bem como a ausência de restrição legislativa (art. 5º, II, CF/88), torna-se palatável que é cabível o recurso de Agravo de Petição contra qualquer decisão proferida pelos órgãos judicantes durante a fase processual da execução, ainda que seja uma decisão interlocutória.

Ora, a CLT é clara: cabe agravo de petição das decisões proferidas em fase de execução, não havendo qualquer limitação, ou seja, a Lei não diz se é apenas de sentença (terminativa ou definitiva) ou se é de decisão interlocutória, de modo que a limitação imposta viola o que está expresso no art. 5º, II da Constituição (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei), bem como o art. 5º, LIV (ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal), pois se a lei não estabelece restrições, o recurso foi interposto dentro das regras do devido processo legal trabalhista.

Outrossim a interpretação dada ao §1º do art. 893 da CLT (os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva), no que toca a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias se aplica na fase de conhecimento, o que inclusive é reiterado pelo inciso I do §1º do art. 855-A da CLT, ou seja, a decisão interlocutória que acolhe ou rejeita o IDPJ na fase de conhecimento, de fato deve ser irrecorrível, pois ainda não houve a formação do título, que é primazia da fase de conhecimento e qualquer recurso viria a ferir a celeridade, haja vista que somente com a sentença teremos, de fato e de direito, a constituição do crédito trabalhista de cunho alimentar, ainda que, regra geral, não quantificado.

Não obstante e em complemento ao acima, visando a superação do entendimento de que não cabe agravo de petição contra decisão interlocutória na fase de execução, o legislador reformista admite recurso de agravo de petição na fase de execução contra as decisões interlocutórias, como se depreende do inciso II, do §1º do art. 885-A da CLT, razão pela qual a interpretação sistemática e extensiva autoriza sua aplicação em face das demais decisões em fase de execução, em especial se afetar substancialmente a  apuração do quantum debeatur. 

Destacamos ainda que a possibilidade de agravo de petição em face de decisão interlocutória na execução é referendado por meio de acórdão proferido pela QUARTA Turma do C. TST, sobre a brilhante relatoria do MM. Guilherme Augusto Caputo Bastos, julgado em 05/2020, noticiado no Informativo Número 218 do Tribunal Superior do Trabalho:

“EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DECISÃO QUE REJEITA O INCIDENTE. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. PROVIMENTO. (...) Não se pode olvidar que, nos termos do artigo 897, “a”, da CLT, caberá agravo de petição contra as decisões do Juiz ou Presidente na fase de execução. Porém, tal preceito não faz nenhuma distinção quanto à sua natureza, seja interlocutória ou terminativa do feito. Afastado o óbice da irrecorribilidade imediata, caberia saber se para a interposição do agravo de petição contra a decisão que não conheceu ou rejeitou a exceção de préexecutividade seria exigível a garantia do juízo. Pois bem, como já  realçado, a exceção de pré-executividade trata-se de uma construção doutrinária e, portanto, sem previsão expressa em lei, inexistindo para o manejo da referida demanda, diversamente do que ocorre com os embargos à execução, a necessidade do cumprimento da garantia do juízo. E se para o exame do mencionado incidente processual não há necessidade da garantia em comento, não se poderia estabelecê-la no momento em que a parte submeterá a decisão que rejeitou ou não conheceu da sua exceção à instância de segundo grau. A prevalecer o mencionado requisito, se estaria, por via transversa, obstaculizando o direito da parte ao contraditório e à ampla defesa, bem como ao devido processo legal, impedindo que a questão objeto da exceção de pré-executividade seja analisada pelo Colegiado Regional e, por conseguinte, por essa instância extraordinária, o que iria de encontro à própria finalidade do instituto processual. Ademais, se fosse cabível a garantia do juízo, o que não é o caso, ela deveria ser exigida desde o tempo do manejo da exceção de pré-executividade, não se justificando o seu cumprimento apenas quando da interposição do agravo de petição. Assim, tem-se como passível de reforma a decisão que impõe para o conhecimento do agravo de petição a garantia do juízo, na circunstância em que não acolhida a exceção de préexecutividade. Na hipótese, o Tribunal Regional não conheceu do agravo de petição da executada, sob o fundamento de que, sendo a decisão que não acolheu a exceção de pré-executividade e índole interlocutória, não caberia recurso imediato. Também por entender que para a interposição do agravo de petição seria necessária a garantia do juízo. Ao assim decidir, acabou por afrontar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, em violação do artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.”

(TST-ARR19700-68.1986.5.02.0002, 4ª Turma, rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, julgado em 13/5/2020.)”

 

A título de complementação, a Constituição Federal prevê nos incisos LIV e LV, respectivamente:

 

LIV – “ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”;

 

LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” 

 

            Desta forma, fica meu registro no sentido de superarmos, incontinentemente, o entendimento arraigado do não cabimento do agravo de petição em face de decisões interlocutórias no curso da execução.

 

            Fagner Sandes – Advogado, Professor e Pesquisador.



[1] No processo do trabalho o agravo de instrumento tem por finalidade destrancar recursos não conhecido na origem.

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